Por Vasconcelo Quadros
Ex-presidente começou a cair, em 1990, quando PC Farias foi denunciado por pressionar a estatal a fazer empréstimo fraudulento à Vasp
A inclusão do senador e ex-presidente da República Fernando Collor (PTB-AL) como suposto beneficiário de uma propina de R$ 3 milhões da BR Distribuidora liga a Petrobras à origem dos dois maiores escândalos de corrupção do último quarto de século: a estatal foi o primeiro alvo do esquema de corrupção operado pelo empresário Paulo César Farias, o PC, que resultaria no único impeachment de um presidente da República na história do País.
O caso veio à tona em outubro de 1990 através de denúncia do então presidente da estatal, Luiz Octávio de Motta Veiga, que pediu demissão do cargo acusando pressão de PC Farias e do ex-secretário-geral da Presidência, Marcos Coimbra, cunhado do ex-presidente, para aprovar um empréstimo de US$ 40 milhões à extinta companhia aérea Vasp.
Collor disse à época que mandaria apurar o caso, mas acabou lavando as mãos, deixando o caminho livre para o empresário. Caixa de sua campanha presidencial, em 1989, PC organizou um “propinoduto” tão arrojado como o que está sendo investigado na Operação Lava Jato. As diferenças básicas entre um caso e outro: os partidos políticos fora alijados do esquema, a propina circulava por uma rede de laranjas, os corruptores permaneceram impunes e o poder de investigação das instituições era bem menor.
O inquérito da Polícia Federal presidido à época pelo delegado Paulo Lacerda - ex-diretor que deu início às operações de impacto contra a corrupção, em 2003 - demonstrou que através da Empresa de Participações e Construções (EPC), uma espécie de holding na arrecadação de propinas, PC Farias havia grudado seus tentáculos em toda a estrutura do governo federal.
Um dos mais arrojados esquemas era justamente na Petrobras, onde o empresário tinha influência em negócios nacionais e internacionais. Os investigadores estimaram à época que nos anos em que funcionou, até o esquema ser desmantelado, PC teria arrecadado algo em torno de U$ 2 bilhões, tesouro cujo destino se tornou um grande mistério com a morte do empresário, em 1996. A arrecadação de propina deveria formar caixa para garantir ao grupo longevidade no poder.
As investigações sobre o esquema PC só seriam abertas dois anos depois da denúncia de Motta Veiga, com a entrevista do irmão de Collor, Pedro, à revista Veja, acusando o empresário alagoano de “testa-de-ferro” do presidente da República. A pá de cal seria jogada pelo motorista Eriberto França, que entregava os recursos provenientes de propina à Casa da Dinda, residência oficial da família Collor.
Em abril do ano passado, o mesmo STF que mandou para a cadeia a antiga cúpula do PT no caso mensalão absolveu Collor, que havia sido acusado de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica. A alegação foi de que não havia provas de que o ex-presidente tenha favorecido PC em troca do dinheiro recebido por sua família. A teoria do domínio do fato, aplicada no mensalão, foi rejeitada. Livre, Collor ainda ironizou, afirmando que o país devia a ele dois anos de mandado, já que seu governo só terminaria em 1994. O julgamento ocorreu 22 anos depois das denúncias quando dois crimes já estavam prescritos graças à lentidão do judiciário.
PTB no esquema - Em depoimento prestado dentro do acordo de delação à força-tarefa que investiga a Petrobras, o doleiro Alberto Youssef afirma que o ex-presidente seria o destinatário de uma propina de R$ 3 milhões, o equivalente a 1% de um suposto contrato firmado entre a BR Distribuidora e uma rede de postos de combustíveis de São Paulo. O doleiro sustenta, também, que mandou entregar R$ 50 mil em espécie ao ex-presidente, no apartamento deste em São Paulo.
Se forem confirmadas, as declarações do doleiro recolocam Collor na mesma cena do crime que gerou seu próprio impeachment, no caso, a Petrobras - que agora assombra o governo da presidente Dilma Rousseff - e ainda põe na mira da Operação Lava Jato um novo partido político, o PTB, que também operaria na estatal. Até as declarações sobre o suposto envolvimento de Collor, sabia-se que a propina desviada da estatal fazia parte de um acordo entre PT, PMDB e PP, que dominavam as diretorias da estatal.
Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Youssef afirma que o suborno foi intermediado por um ex-ministro de Collor, o empresário e consultor de energia Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-secretário de Assuntos Estratégicos do ex-presidente e dono da GPI Participações. Leoni foi apontado como emissário de Collor e do PTB. A rede de postos teria pago a propina de 1% sobre contratos equivalentes a R$ 300 milhões para se tornar revendedora exclusiva da BR Distribuidora, uma das subsidiárias sob investigação.
As declarações de Youssef envolvendo Collor foram encaminhadas ao procurador geral da República, Rodrigo Janot, que deve decidir, na próxima terça-feira, se pede ou não a abertura de inquérito sobre o ex-presidente. O ex-presidente, que é jornalista, não atende repórteres. Quando soube do depoimento do doleiro, enviou, por sua assessoria, uma resposta lacônica: é amigo de Leoni, mas não recebeu dinheiro nem conhece Youssef.